quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Idéias enjauladas

As palavras
Já não me dizem nada.
Estão soltas na calçada.
Se ninguém as entende
E não há quem a sinta.
A verdade se estende
Na cabeça de quem minta.
Se tem asas partidas
À míngua desnutridas.
Sem ideário,sem vocabulário
Do mal que presinta.
De operário sem salário
Palavra distinta.
As palavras
Já não saem objetivadas.
São idéias enjauladas
Vendidas, compradas
Sonho precário, vidas no crediário
Adiadas, faminta...
(Chicoberg, do livro:"Versos in versos"/2000)

domingo, 24 de fevereiro de 2008

História de pescador

Canta a maré cheia
E os homens na areia
A pensar...
Do lado de lá
A coisa está feia
A fome nos rodeia
E vamos remar!
Olhos vermelhos da mulher
Olhos nos espelhos ninguém quer.
Antes que a tarde caia
Chega a lua na praia
E soluça o mar.
E seus homens não voltaram
O mar que alimenta
Agora tudo arrebenta
E elas pungem a fitar.
Canta a maré cheia
Amanhã outro dia
A noite vazia
Agonia o sonhar...

O grito do silêncio

Singro o amor
Sem remo e rumo
Algo me revela ou esconde
E desvela onde assumo.
Páira o vazio desse amor vadio.
Á deriva no eito
Meu grito é silêncio
Explodindo no peito.
A insônia delira
E meu sonho vira a tua mentira
A ouvir de ti esse silêncio assim
Capaz de roubar de mim
O que nada mais espero.
E, desnundando-se em si
Sorrir ainda é o único jeito
De dizer que te quero...

Duas faces

Há em mim
Mania de paixão
Um sonho de amor e ira
Uma página deserta
E uma mulher sem coração.
Há em mim
Olhar que delira
Uma vida de perna aberta
A gargalhar suas mentiras
Em dia e noite incerta
Sem razão.
A reavaliar o amor
Escondido no porão...
(Chicoberg do livro:"Poemas na contramão"/2006)

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Ìris

Lágrima profunda
Inunda agora
Aflora imunda
Sem hora pra desabar.
São fatos sem foto
Anonimato remoto
Rebato, anoto
Regato a calhar.
Primeira sem segunda
Se afunda no ato
Pela flora do mato
Fecunda acato
Embora redunda
Desato sem falhar.
Lágrima aflora
Na calha mirante
Ìris pensante
Do outrora atuante
Desaba, explora
Tralha a talhar.
Fato do feto que fito
Na foto e furto olhar
Lágrima,légua, liga
Logra, luto molhar...
( Chicoberg,do livro"Mãos/2004")

Resenha

A lua brigou com o sol
O sol acordou-se mais cedo
A lua de caso novo
Isso nem é mais segredo.
Feixes de raios
Resenha, enredo
Põe lenha, desmaios
Sem medo.
Corre claro
Corre lagedo!
A lua brigou com o sol
O sol acordou-se mais cedo
A lua de caso novo
Isso nem é mais segredo.
Faísca no paiol
A revelia do claro cedo
Gira o dia em torno do sol
Na mais valia do bredo...
(Chico berg, do livro:"Mãos/2004")

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Rejeito

E desse céu, sou réu.
Escondi-me nesse véu
Feito labéu
Exigi o mel, bebi o fel.
Rodei carrossel
Sem roldana e papel
Fui livre, fui infiel
À noite fui tetéu
Pela ruas e berel
Do rejeito em tonel
No abandono tão fel
Enguli a dor cruel...

Testemunha

O silêncio noturno

Grita-me teu nome.

O pensamento soturno

Busca teu olhar

Que nas luzes se some.

Sigo tuas loucuras

Nas agruras da solidão.

Estás só, sozinho estou

E caminhamos lado a lado

Mutilados dessa aflição.

Coração perto,corpos distantes

E a noite com sua cravada unha

Faz-nos errantes.

E só a lua testemunha...

Insônia dos anjos

Acordo cansado
Dos braços do sono
Só no abandono
Refiz essa paz.
A calma, perdi
No amor que vivi teu corpo
Nada mais me compraz.
Dos teus olhos
Ganhei o desejo.
Do sorriso, a aflição.
Hoje o peito no arquejo
Ganhei dos teus beijos
A solidão...

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Desejo noturno

As estrelas me marcam
Tua ausência assim
Roubando-me a calma.
Teu silêncio
Fere-me a alma
Na solidão que dói
Em mim.
Assim
Singro o amor
Pelo mistério de calar
Ouvindo de ti
Esse silêncio que me corta
E nem se importa
De me negar.
Estrelas cadentes
Perdem-se da noite
E eu ardente a contemplar
Tua nudez no acoite.
E nada vem do acaso
Tu dormes e eu me abraso...

sábado, 2 de fevereiro de 2008

Revelação

A utopia hoje é o sino batendo
E me chamando pro fim.
E eu me gerando teimoso
Como o rio caudeloso
Me negando asim.
A alegria tem gosto de alecrim
E à revelia revela
A criança na janela
Que há em mim...
E eu me negando
Escondendo-me airoso
Como um rio cauteloso
Sobre meu jardim.

Indiferença

Vidas curtas e retas
Sobre pernas longas e tortas
A se arrastarem, a se fecharem
Feito portas.
E no beco vazio e seco
De idéias vagas e mortas
Assim vago
Nem estreito nem largo
Num doce amargo
Das comportas.
Divaga a vida, olvida
Passa e não te importas
Com o olhar
Que não se curva
Não se turva
E ainda cortas...

Balada de barco

Longe, longinquo tange
Iniquo ringe, range...
Invado-me sob todo aspecto
E me futuro no retrospecto.
Momento de descoberta
Na brisa e aragem
Arrecifes brigam
E beijam as águas.
Miragem nos penhascos e proas
Dissolvem à toa mágoas.
Balada de barco no universo
Sem arco, sem crivo, só verso
Prova de que existo...