domingo, 1 de fevereiro de 2009

Crueza

A fome sobre a mesa
Mexe no futuro da certeza
E só o olhar absurdo
Desse olho mudo-surdo
Abocanhando a presa.
Alijando seu deserto
A vida é jogo incerto
Sangrando a céu aberto
E cobrando a hora tesa.
Romper lugar segregado
À mercê do mercado
Um antídoto à crueza.
A fome tem voz estridente
Recruta muita gente
E reverbera na tua mesa...

Tempestade de um adeus

Teu coração, uma tempestade.
Meu peito, um barco
Rasgando calmaria.
E se perde nessa tarde
O lume da noite e do dia.
Meu coração ronda, ronda
Em todos os bares
Agoniza em todos os lares
Vive perdido nese cais
Náufrago dos sete mares
Da tua voz a dizer jamais.
E o meu barco em branca vela
À deriva dos olhos teus
A solidão já nos revela
O sonho perdido no adeus.

Turbulência

Tudo em mim é explosão.

Palavras em chamas

Saindo da minha imensidão

Caindo de mão em mão

Roubando do silêncio

Gritos forjadores

A fazerem dores de caminhos

Pelos espinhos e flores no porão.

A alma vive trauma e desilusão

Tudo em mim é explosão

E o coração ronda a onda

de um novo chão...

Desencontada busca

Esse olhar fugidio
Brilha e me dar arrepio
Busca-me no desvario
E corre sem sonhar.
Mesmo sorrindo me diz
Mesmo mentindo
promete sem findar.
E planta desejo
E me anima em beijo
Faz-me acreditar.
E o que importa a realidade
Se é torta a verdade
Na certeza desse olhar?

Rio veloz

Veloz em erosão o rio
Canta no arvoredo, o encanto mil
E dá medo a emoção.
A água lavra as pedras
Revolve vida, envolve-se,
Medra o chão.
A água dos meus olhos
Lava os ferrolhos do coração
E por mais que me molho
Tem nos seus abrolhos
A marca da paixão.
Veloz, o rio, veloz
E faz de sua voz
A única razão.

sábado, 31 de janeiro de 2009

Vida exposta

Zona de risco,só o olhar confisco.
E qualquer vacilo, o abismo engole.
Garimpo de amor e cisco
Mudo ou em tudo bole.
Balas perdidas e gritos
Antes que a tarde role.
Olhares ariscos e celulares
Cruzam os lares aflitos.
Dentro de nós há um tumulto
Rasgando a voz, no desatino oculto.
Vagando no disco
Da sorte, zona de risco.
Sob olhar insubmisso do riso omisso
Entre a vida ou a morte, me arrisco...

Vaias

Sob vaias e palma
Minha alma se acalma
E se descortina.
Nesse amor sem tremor
Sem temor na visão
Matutina.
E o medo no arvoredo
Rompe degredo , oculpa espaço.
Assim na agrura, se aventura
Vira ternura e corre pro abraço.
Minha alma calma
Sob vaias e palma
Anda e corre a longo passo...

vida inconstante

Meus olhos são dois chaminés

Rondando a pés, nas núvens dos inviés

No vento dos carritéis,vendendo aos infiés

Sonhos dos caetés.

Meus olhos são como chafariz

Passando por um triz ,no vôo do concriz

E como sempre quis

Viver e ser feliz.

Meus olhos nas nuvens

São disformes, conforme

Entranhas enormes na noite

Que nem dorme pelo açoite

No acoite das montanhas...

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

O poeta Chico Berg.

quinta-feira, 22 de maio de 2008

Do que resta a floresta?

São mais de cinco sóis a secarem os sertões
Vertidos de anões das lágrimas sem foz
Roubando-nos da vida
Compactuada, fratricida
E renhida nos anzóis.
São cinco os trincos, das razões de zinco
Abrindo em trilhos, moldando-nos os filhos
Aos olhos dos Caapós.
E no rito e conflito, dormitam no infinito
Sem se soltarem dos cós.
São cinco o destino, postergado de sol a pino
Dos Cariris e Pataxós.
Deitados no desatino no atino dos torós
São cinco vertentes nas barragens do Orós.
A trincarem os dentes,repelidos,renitentes
Durante, antes e após.
A deterem afluentes ,sem responso dos repentes
Sem lenço e sem lençois
(Chico berg do livro:"Diálogo do vento"/2003)

quinta-feira, 15 de maio de 2008

O grito do silêncio

Singro o amor
Sem remo, sem rumo
Há algo que revela
Ou esconde
Desvela onde assumo
Páira o vazio desse amor vadio
À deriva no eito
Meu grito é o silêncio
Explodindo no peito...
A insônia delira
E meu sonho vira
Tua mentira.
Ao ouvir de ti esse silêncio assim
Capaz de roubar de mim
O que nada mais espero.
E, desnundando-se em si
Sorrir ainda é o único jeito
De dizer que te quero...
(Chico berg, do livro"Poema na contramão")

Obsessão

Caminho limpo , horizonte claro
No instante declaro,
Absolvição da alegria.
O terror, o pesadelo,a repressão
Não vencem a utopia
E comungamos o dia-adia
Nessa subversão
Ao quebrar do medo de sonhar
A recriação da fantasia.
Nesse caminho limpo,
Nesse horizonte claro
Custa caro, custa a vida
E não tão raro, comparo
a virtude de amar que disparo
Em direção a plenitude
A mais cruel obsessão!...
(Chico Berg do livro "Poema na contramão")

quinta-feira, 13 de março de 2008

Suplício da paixão

Trama o turbilhão
Turvando a visão
Feito suplício.
Tão remoto fique
Acesso no repique
Velada sem artifício.
Trama o drama
Na cama ou no chão
Geme e reclama
No leme da ilusão
Feito obcessão...
Tudo ou nada
Na calçada da rua
Seu disfarce sua
De tão nua e tão ousada.
Trama o turbilhão
Trava e vira algazarra
Quando esbarra no coração.
Essa paixão inunda
Sufoca,traga,afunda
Naufraga e se rasga
Em vão...

quarta-feira, 12 de março de 2008

Lassos

Passos lassos
Em descompassos
Vão sem a abraços
De sonho amável.
Nesse tempo, contratempo
Sem esforços dessa sede
Insacáavel
Corre,sai dessa cama.
E vem pro meu
Corpo em chama.
E vem pro meu corpo em chama
Vem ver vontade insana.
vem e corre logo,
Que o coração reclama.
Vem e corre logo
Sangrando, sangrando
De carência.
Passos lassos
Em descompasos
Incoerência ou inconsciência
E o tempo querendo fechar...
( Chico berg,do livro:"Poemas para amanhecer")

Pelas margens

Vagueio pela cidade
Às vezes de ônibus ou a pé.
Atravesso claridade
Às vezes oculto ou na fé...
Sem destino,sem atino
Sem escolha de caminho.
Sou um velho-menino
Vivendo o desalinho.
Vagueio feito vulto
Num chorar sem fim.
É que o mundo tem indulto
Só pra mim...
E a vida às vezes torta
Grunhindo na multidão
Às vezes estreita e morta
Sem estender as mãos pra mim...
( Chico berg,do livro: "Poemas na contramão"/2006)

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Idéias enjauladas

As palavras
Já não me dizem nada.
Estão soltas na calçada.
Se ninguém as entende
E não há quem a sinta.
A verdade se estende
Na cabeça de quem minta.
Se tem asas partidas
À míngua desnutridas.
Sem ideário,sem vocabulário
Do mal que presinta.
De operário sem salário
Palavra distinta.
As palavras
Já não saem objetivadas.
São idéias enjauladas
Vendidas, compradas
Sonho precário, vidas no crediário
Adiadas, faminta...
(Chicoberg, do livro:"Versos in versos"/2000)

domingo, 24 de fevereiro de 2008

História de pescador

Canta a maré cheia
E os homens na areia
A pensar...
Do lado de lá
A coisa está feia
A fome nos rodeia
E vamos remar!
Olhos vermelhos da mulher
Olhos nos espelhos ninguém quer.
Antes que a tarde caia
Chega a lua na praia
E soluça o mar.
E seus homens não voltaram
O mar que alimenta
Agora tudo arrebenta
E elas pungem a fitar.
Canta a maré cheia
Amanhã outro dia
A noite vazia
Agonia o sonhar...

O grito do silêncio

Singro o amor
Sem remo e rumo
Algo me revela ou esconde
E desvela onde assumo.
Páira o vazio desse amor vadio.
Á deriva no eito
Meu grito é silêncio
Explodindo no peito.
A insônia delira
E meu sonho vira a tua mentira
A ouvir de ti esse silêncio assim
Capaz de roubar de mim
O que nada mais espero.
E, desnundando-se em si
Sorrir ainda é o único jeito
De dizer que te quero...

Duas faces

Há em mim
Mania de paixão
Um sonho de amor e ira
Uma página deserta
E uma mulher sem coração.
Há em mim
Olhar que delira
Uma vida de perna aberta
A gargalhar suas mentiras
Em dia e noite incerta
Sem razão.
A reavaliar o amor
Escondido no porão...
(Chicoberg do livro:"Poemas na contramão"/2006)

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Ìris

Lágrima profunda
Inunda agora
Aflora imunda
Sem hora pra desabar.
São fatos sem foto
Anonimato remoto
Rebato, anoto
Regato a calhar.
Primeira sem segunda
Se afunda no ato
Pela flora do mato
Fecunda acato
Embora redunda
Desato sem falhar.
Lágrima aflora
Na calha mirante
Ìris pensante
Do outrora atuante
Desaba, explora
Tralha a talhar.
Fato do feto que fito
Na foto e furto olhar
Lágrima,légua, liga
Logra, luto molhar...
( Chicoberg,do livro"Mãos/2004")

Resenha

A lua brigou com o sol
O sol acordou-se mais cedo
A lua de caso novo
Isso nem é mais segredo.
Feixes de raios
Resenha, enredo
Põe lenha, desmaios
Sem medo.
Corre claro
Corre lagedo!
A lua brigou com o sol
O sol acordou-se mais cedo
A lua de caso novo
Isso nem é mais segredo.
Faísca no paiol
A revelia do claro cedo
Gira o dia em torno do sol
Na mais valia do bredo...
(Chico berg, do livro:"Mãos/2004")

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Rejeito

E desse céu, sou réu.
Escondi-me nesse véu
Feito labéu
Exigi o mel, bebi o fel.
Rodei carrossel
Sem roldana e papel
Fui livre, fui infiel
À noite fui tetéu
Pela ruas e berel
Do rejeito em tonel
No abandono tão fel
Enguli a dor cruel...

Testemunha

O silêncio noturno

Grita-me teu nome.

O pensamento soturno

Busca teu olhar

Que nas luzes se some.

Sigo tuas loucuras

Nas agruras da solidão.

Estás só, sozinho estou

E caminhamos lado a lado

Mutilados dessa aflição.

Coração perto,corpos distantes

E a noite com sua cravada unha

Faz-nos errantes.

E só a lua testemunha...

Insônia dos anjos

Acordo cansado
Dos braços do sono
Só no abandono
Refiz essa paz.
A calma, perdi
No amor que vivi teu corpo
Nada mais me compraz.
Dos teus olhos
Ganhei o desejo.
Do sorriso, a aflição.
Hoje o peito no arquejo
Ganhei dos teus beijos
A solidão...

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Desejo noturno

As estrelas me marcam
Tua ausência assim
Roubando-me a calma.
Teu silêncio
Fere-me a alma
Na solidão que dói
Em mim.
Assim
Singro o amor
Pelo mistério de calar
Ouvindo de ti
Esse silêncio que me corta
E nem se importa
De me negar.
Estrelas cadentes
Perdem-se da noite
E eu ardente a contemplar
Tua nudez no acoite.
E nada vem do acaso
Tu dormes e eu me abraso...

sábado, 2 de fevereiro de 2008

Revelação

A utopia hoje é o sino batendo
E me chamando pro fim.
E eu me gerando teimoso
Como o rio caudeloso
Me negando asim.
A alegria tem gosto de alecrim
E à revelia revela
A criança na janela
Que há em mim...
E eu me negando
Escondendo-me airoso
Como um rio cauteloso
Sobre meu jardim.

Indiferença

Vidas curtas e retas
Sobre pernas longas e tortas
A se arrastarem, a se fecharem
Feito portas.
E no beco vazio e seco
De idéias vagas e mortas
Assim vago
Nem estreito nem largo
Num doce amargo
Das comportas.
Divaga a vida, olvida
Passa e não te importas
Com o olhar
Que não se curva
Não se turva
E ainda cortas...

Balada de barco

Longe, longinquo tange
Iniquo ringe, range...
Invado-me sob todo aspecto
E me futuro no retrospecto.
Momento de descoberta
Na brisa e aragem
Arrecifes brigam
E beijam as águas.
Miragem nos penhascos e proas
Dissolvem à toa mágoas.
Balada de barco no universo
Sem arco, sem crivo, só verso
Prova de que existo...

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Sangria de palavras

Nas esquinas as feridas
E as vidas acuadas e desatinas.
E suas histórias se somam
Se aglutinam na bruta agonia
Do dia-a-dia que desafia
Como tantas rosas
Que se destinam.
Pelas rachaduras do mundo
Universaliza essa sangria
Nessa dor, verso oriundo
Sem palavra
Escondida dos olhos
Em cada lavra
De quintal ou beco.
Inventam auxilio
Levam ao exílio
Desse sonho seco.
( Do livro:"Poemas na contramão"/2006)

VESPERAL

Esse ano comecei sangrando
Pesadelo de um ano novo
Desmantelo do povo
No desando.
Sob medo cotidiano
Medo real, medo urbano
Medo rural, medo mano
Medo marginal, engano.
Fere a flor
Entre carne desandou
Ceceado, censurado
Nos braços, nas mãos
Do andor.
Itinerário no calendário
Esse sopro, perdão, estuário
Feriado, amontoado no chão
No suor, nas lágrimas
Por certo sangrarão...
( Do livro:" Poema na contramão"/2006)

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

CAMARÁ

(Uma cidade destruida pelas águas de uma barragem feito pelo governo da Paraiba)

O remo não rema no rio
Só a lágrima no desvario.
O rio no meio fio
Leva os sem sono.
A lágrima sem desafio
Nas águas do abandono.
O remo não rema no rio
Perdido me acho
A morte, a vida a fio
Lágrima vira riacho.
Pelos mortos o frio geme
Justiça, impunidade não teme.
O remo não rema no rio
O medo no desvario...
(Chicoberg,do livro:" O cio da flor"/2004)

AVERSÃO

Pra que ter medo
Se o desejo
Não foge?
Pra que o degredo
Se segredo de amor
Não se guarda
Em alfoje?
A lua nunca foge
Do sol
Nem quando
Os trovões em grito.
Lá nas nuvens
No frio do lençol
Encontra-se no calor
Do infinito....
Pra que ser
Estrela decaída
Se na ilusão da corrida
Só o chão é despedida?
Pra que segredo
Se o medo é a chave
De degredo?
(Chicoberg do livro:"Diálogo do vento"/2003)

ENCRUZILHADA

Canto de amor a todo custo
Pelas vielas do mundo
Submundo e susto
Represado, fudido
Trancado e sem janelas
Esparrelas no ido
Pranto que contive.
Canto de amor
Tranco de encruzilhada
De quem vive
Como cerca em riacho
Onde a miséria e seu grito
Rasgando infinito
Desce de goela abaixo
E só o medo convive...
(Chicoberg, do livro:" Mãos"/2004)

terça-feira, 1 de janeiro de 2008

Degredo

O silêncio é uma casa.
Um desejo sem vôo
Amontoado de enjôo
Sendo tijolo e asa...
Argila sem mão
Mudez sem parede
Visão sem expressão
Água sem sede...
O silêncio no chão
Nina-me na rede.
Vôo na canção
Entre quatro paredes.
No apartamento
A voz entre salas
Balança-se no vento
Sem o canto das falas...
( Chicoberg do livro:"Poema na contramão"/2006)

Pedra sabão

Rompe o silêncio
Sem abraço.
Explode o aço
Da viva voz
E sangra poesia
Entre nós.
Retoco o semblante
Do tempo...
Inquieto contratempo
Algoz.
Enquanto no amor morro
Verso faço
E me esforço no espaço
Antes corro
No esporro da ilusão.
Uivo nos mares
Canto nos ares
No beco das pedras
Angulares
Acendendo multidão.
Apago escuridão
Com pedra sabão...
( Chicoberg do livro:"Poema na contramão"/2006)

Arcabouço

Lá, do lado de lá
Lá, do lado de lá...
Tem um cercado, uma cerca
Coibindo passar.
Tem um futuro sem agrura
Carne em flor que fura
E um muro proibindo sonhar.
Lá, do lado de lá
Lá, do lado de lá...
Há olho grande inseguro
Promessa de amor puro
E cárceres a tocaiar.
Lá, carne sem osso
Olhar de arcabouço
Desejo de calabouço
Colosso no fundo do poço
Silêncio, segredo sem revelar.
Lá, do lado de lá
Lá, do lado do lá...
E eu no lado de cá
Sem se iludir nem vacilar
Na espreita desse riso
A insurgir no olhar...
( Chicoberg, do livro:"Poema na contramão/2006)

Barbárie

Latifúndio desmata
A fome ou a doença
Mata.
A morte tem nome
Regida da mentira
Se consome na ira
E se some por trás da mata.
O latifúndio retrata
No degredo
O medo da morte
Maltrata e guarda segrdo
Revidando o amar
À revelia a agonia
Se reveste de mais valia
Pra roubar-nos o sonhar.
(Chicoberg do livro:"Poema na contramão/2006")

sábado, 29 de dezembro de 2007

OS OLHOS DA FOME

Há um prato raso
E uma fome funda.
E nada é do acaso
E a tudo inunda.
Há um sonho raso
Numa realidade funda.
E tudo no ocaso
Emerge e se aprofunda.
Um ocaso sem nome
Uma fome sem acaso.
Caso a caso
A realidade some...
(Chicoberg, do livro :"Poema na contramão/2006")

A VOZ DA PAIXÃO

Vêm de dentro minhas palavras
Do corpo inteiro vivem escravas
Explodindo de paixão.
Vêm de dentro minhas palavras
Da boca pra fora a fala se lavra
De silêncio que sangrarão.
Vem de dentro minhas palavras
Caminhos de furacões em larvas
Afloram redemoinhos pelo chão...
( Chicoberg do livro" Poemas na contramão/2006)

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

SEDE DA PAIXÃO

Em teu olho verde
Meu olhar de sede.
A fome
De meu corpo
De teu corpo
Na minha rede.
Em teu olho dágua
Esconde medo
Segredo e mágoa.
Envolta, reviravolta
Volta bate a parede.
E, em teu olho verde
Meu olhar de sede...

BANALIZAÇÃO

Sete mares em acintes
Pelos ares mudos ouvintes.
Sete mares e não passam de vinte
No requinte do dia seguinte.
Sem futuro vesgo em furo
Debulho do entulho
Rolado em parafuso
No uso e abuso do escuro.
O muro proibe e o senso inibe
Cria no segredo, degredo
O medo rural e urbano
O medo policial e cotidiano
O medo real, virtual insano.
Feito fato normal
Boato visceral, no muro desigual
E o grito fatal desengano
Banaliza a morte
Baliza a sorte
Ano a ano...

BICHO DE RUA

Maria da rua
Nasceu com a lua
E vive tão nua
De sonho e favor...
As vezes,a vista insinua
Dessa sorte tão crua
Que lhe nega fervor
O favor de viver
Iguais a todas elas
Maria donzela
veio à janela se perder.
E a vida a dizer
Que a vida continua
Ser mais que lixo
No luxo, ser bucho
Expor-se ao capricho
A virar bicho de rua...

TRAÇOS DO TEMPO

Tange o tempo
Bem pra longe
Bem pra longe
O tempo tange!
Feito monge de tão sério
Sem mistério se esbanje
Se extingue dedo a dedo
Pelo medo da falange
No remange desse tempo
Contratempo já se tange
Tange o tempo
Bem pra longe
Bem pra longe
O tempo tange!...
( Chicoberg do livro:"Poema na contramão/"

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

DOR DE CABEÇA

Não se esqueça,Zé
Não se esqueça,
Fome dá dor de cabeça!
Se agonia a ralé
Na vida atravessada
A visão fica intifada
Não se esqueça,Zé
Não se esqueça,
Fome dá dor de cabeça!
Fome,fome demais
Rouba sossego mordaz
Pobre sem sono
E o rico sem dormir em paz.
Abandono tira sono,Zé
Não se esqueça
Fome dá dor de cabeça!
Na infância e juventude
Tome atitude, antes que aconteça
E o mal se estabeleça.
Esperança, uma ponte
A espera, o espeto da fome.
Futuro, um gueto sem nome
Sem horizonte,nem há quem cresça.
E o mal nem se emperra e tome guerra.
Não se esqueça
Fome dá dor de cabeça...
(Do livro: "O cio da flor"/2004)

ISCA

O rio vira mar
E o mar vira onda
E vem o arrebol se banhar.
Até esse sol virar lua
E o luar virar sol
E a noite naufragar...
Feito ondas nas pedras
E pedras nas ondas
Martelando sem cessar.
Vou fincar nesse farol
E o tempo me dizer
Até quando durar.
Escutar o alarido
D o sono garrido, banido de mim.
Pescador,também sei pescar
Tambem sou assim...
Trafego no mesmo rol
Pelas bandas do atol
Na mão e contramão
Onde viver faísca
Usei de ísca
O coração...
(Do livro:"O cio da flor"/2004)

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

SEMENTE DA RAZÃO

Abro meu verso
Pro universo do coração.
Abro a boca do chão
E planto palavras,
Semente do não
Negando perverso
O inverso da ilusão.
Abro meu coração
E planto de mão em mão
A razão.
Sonho imerso
Da realidade averso
Singra sangrando
Na contramão...
(Do livro:"Poemas na contramão"/2006)

POENTES TARDES

Espuma e esperma
Mesclam-se e gotejam
De desejo boca-a-boca
E rastejam tão oca
Tão pouca de beijo.
No corpo ardente
Pertinente arquejo
Esperma e espuma
Latente, espersa
Esparsa, carente
Comparsa, sua vermente.
Na cama sem drama
Na piscina se ama
Na tarde poente.
Espuma e esperma
Esperma e espuma
Em ruma tem rumo
No vôo tão rente
Do repente de alguma
Se não for por uma
Ou nenhuma,atente!
( Do livro:" Poemas na contramão"/2006)

terça-feira, 13 de novembro de 2007

domingo, 11 de novembro de 2007

Quando o homem sonha

Quando o homem sonha
O mundo gira
Vira
Aproxima
Rodopia
Pula
Qual mula com medo.
Como o balão
O pião
E a carapeta
Rodando,rodando
Sem freio
Se acende
Transcende
Muda o planeta.
Quando o homem sonha
Salta
Faz arremedo
Delira
Grita
Amanhece mais cedo.
Quando o homem sonha
A mão se agiganta
Canta
Se encanta
Espanta rochedo...
( Do livro:"Alma das mãos"/1975)

sábado, 10 de novembro de 2007

Tatuagem

O pranto presente
Fez-se nódoa indelével
No interior.
Gravou-se-me o corpo
Como chaga renitente
A refletir-se em toda vida
Imagem de estimação...
E a vida vaga erosão
Marca-me com arte e luta
Feito bandeira, estandarte
E batuta
Carimbando com ferro
Animais caídos
No berro dos excluidos
A fotografar
Verdade existente
Mancha indolor
Clarividente...
( Do livro:" Poemas,poemas,poemas..."/1974)

Andarilhos

Na sede de sol
Vagamos despertos
Como insetos
Nos desertos das lâmpadas acesas.
Bisbilhotando
Bêbados
Sonâmbulos
Como astros infelizes
Criando rastros dispersos
E cicatrizes
Das noites presas...
(Do livro:" Poemas, poemas,poemas..."/1974)

Anjos nus

Lábios despidos
Bocejos nus.
Corpo em arquejos
Desejos de olhos azuis...
Quem conduz, quem conduz?
O olhar benfasejo
Desse sonho em ensejo
Desses olhos tão azuis...
Quem seduz, quem seduz?
Esse corpo anjo
Num repente
Serpente de luz!...
( Do livro:"Poemas,poemas,poemas..."/1974)

terça-feira, 18 de setembro de 2007

BEIJOS

Beijos são fagulha,são
Em nosso corpo
Se desbulha
No lume
De sua imensidão.
Como rio têm pulso
Impulso, afluente e foz
Têm curso e cio
E aportam em nós.
Ao beijo
Quando se mergulha
Tranca porta
Se entulha, abre comporta
Recolhe gemido e voz.
E rega paixão
Planta amores
Inventa pasmo
E cria orgasmo
E sofeja dores
Às sos.
E anestesia-nos
Como agulha
Nas beijadas
E sentimos
Seus espinhos
E espetadas...
(Do livro:"Vôo das palavras"/1998)

REBELAÇÃO DO RIO

E o rio virou serpente
Espichou-se na estrada
Fingiu-se ausente
E se negou a invernada.
Esperneou-se em gritos
Correu como puma faminto
Arrastou árvores, barreira
E não foi brincadeira
Conter seu instinto.
Amante da rosa
Amante do verde
Da noite cheirosa
E de gente com sede.
Ao rebelar ira tamanha
Lágrima, lixo e vinhotos
Inundaram-se aos esgotos
Lagos e montanha.
Ao imolar mapa e fronteira
Invadiu fábricas e cidade
Fez-se maremoto sem piedade
Aterrou casa,subiu ladeira.
Feito faca amolada
Ao meio, atravessou a esfera
Cortou ponte e calçada
Engoliu gente como a besta fera!
(Do livro:"Vôo das palavras"/1998)

ARDOR

Em mim
Há uma fogueira
De chama infinita
Que grita
Que grita teu nome
E se consome no tempo
Na distância e nem acredita
Na labareda desdita
Que grita
Que grita ardendo
No pensamento doendo
Correndo,corroendo
Correndo feito tocha
Humana
Tirana acesa
Nem livre nem presa
Que se inflama
Reclama presença
Nem olvida na fome
De corpo e vida
Perdida
Perdida que se some...
( Do livro:" Vôo das palavras"/1998)

PORTO PERDIDO

Vendo teu olhar fugidio
Adentrei-me a agonia
De aventurar-se no vazio.
Vendo-o luzir
Nem alinho nem torto
Parti na esperança
Do perdido porto...
E sem um sim
Nem um não
Mesmo assim
Trafeguei a indecisão
Dos olhos, pensando
No outro dia
Amanhecerão
Para mim..
( Do livro:"Vôo das palavras"/1998)

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

POR DENTRO

Ninguém sabe da ânsia
Que se esconde
Entre trêmulas pernas.
Se ninguém percebe do laço
No abraço da mão
Que aperréia.
Ninguém calcula
Nem mesmo regula
Sonho que se hiberna.
Se ninguém toca no fogo
No jogo que já se incendéia.
Ninguém vê o murmúrio
Correndo nas véias
Nem o pranto
Que anda de taberna em taberna
Se do canto que se externa
Quem se atreve
Num desencanto tão breve
Fugir dessa téia?
(Do livro:"Mundos e poemas imundos"/1991)

ACIDENTADOS DO TRABALHO

Coxos, uns nos chamam
Outro, de pernetas.
E ninguém se atreve a ver-nos
Como vítimas do capital
Que gira o mundo como uma roleta
Castrando-nos o ideal como peças obsoletas.
Coxos, uns nos chamam
Outros de pernetas.
E se tornou até normal
Ninguém se atrever a ver-nos
Como vítimas do capital
Que nos decepa e esmaga
A alegria da família no planeta.
E muitos são amigos do algoz
Se mascaram com a nossa voz
Só para mamarem nas tetas.
E coxos uns nos chamam
Outros de pernetas.
Mas ninguém se atreve a ver-nos
Como vítimas do capital
Que por bem ou por mal
Gira o mundo como uma roleta....
(Do livro:"Mundos e poemas imundos"/1991)

MELINDRE

O instante requer cautela
E se o silêncio nos aniquila
Amordaça-nos agora
A vida não é apenas uam janela
Donde se olha de fora.
O instante requer cautela
E calar frente a fome
Aceitar o que nos oprime
E explora
A vida não é apenas uma janela
Donde se olha de fora.
O instante requer cautela
E viver de joelho
Dizendo-se livre numa cela
A vida não é apenas uma janela
Donde se olha de fora.
O instante requer cautela
E sem unidade, sem decisão
Tudo se esfacela
A vida não é apenas uma janela
Donde se olha de fora.
O instante requer cautela
Nos afasta, nos recolhe
Nem impede inquietude
Romper aurora
A vida não é apenas uma janela
Donde se olha de fora...
(Do livro:" mundos e poemas imundos"/1991}

SEM DESTINO

A grande máquina
Com a boca arreganhada
Tem a sanha e a gula
E exige a paga
E nos estrangula
Com juro e correção
Monetária
Se dizendo solidária
É tudo que quer
Da nossa saga...
A gande máquina
Com sua sanha
Nos abocanha
Acenando nos muros
E lodo.
De futuro difuso
Impessoais
Anônimos e frios
Tornamos parafuso
Perdemos nos invios
A noção do todo.
De quem nos usa
De quem nos controla
De quem nos manda e abusa
De quem nos elimina e esmola
E para quê.
Um prometido obscuro
E confuso.
Somos peças.
Breve estaremos
Em desuso...
( Do livro: "Mundos e poemas imundos"/1991)

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

PICHANDO MURO

A fantasia
Encontra a realidade
Quando inunda
De poesia
O muro
E encharca de hoje
O futuro...
( Do livro: "Versos inversos"/2000)

POEMAS NOSSOS DE CADA DIA

Nunca farei poema
Para os olhos que fogem.
Farei poema
Para os que se desesperam
E se rasgam na vida.
Os que viram trincheiras
Por necessidades.
E à bordo da paixão
Constroem suas tempestades
E chamas.
Nunca farei poema
Para os que mudam sua vida
Com o contrôle remoto
E sem sair da poltrona
Interferem e ferem outras vidas
Impedindo-as a vir à tona.
Farei poema
Para os que à luz da emoção
Vivem suas realidades
Sem drama.
Porque poema
É a toda hora dilúvio
E em nós se derrama...
(Do livro: "Versos inversos"/2000)

terça-feira, 11 de setembro de 2007

MAYARA E DANDARA

Tâo rara, tão cara
E vara a madrugada!
Juizo e granizo
Nas casas de vara.
Mayara e Dandara
Tão leve, tão breve
E a neve tão clara!
Unidas na noite
E a noitada dispara
Aonde andará,andara.
Mayara ou Dandara
Encara a neve
E a neve encara!
Tão rara,tão cara
E vara a madrugada!
(Do livro:"Mãos"/2004)

DEGRADÁVEL

Sou bicho
Na lata de lixo
Deserto em mim mesmo.
Tendo endereço certo
Não vivo a esmo.
Sou pesado,buscado
Nas prateleiras do supermercado.
Nem se debata em vão
Não há opção de outra alimentação
Ou lata de lixo ou caixão.
Nem luxo nem capricho
Se sou o jogado bicho...
Mixo
Mexido sem atitude
Versado no trilho da saúde.
Sou bicho enlatado
Sou mais que guardado no luxo
saí do nicho
Pro lixo do teu bucho!
(Do livro:" Mãos"/2004)

GENOCÍDIO DE RUANDA

Pelas ruas de Ruanda
Chora a lua sem ciranda.
A miséria vive nua
O facão manda e desmanda.
Nessa artéria tão crua
O real se desanda
Sobrevive a falcatrua
Na febre de Aruanda.
Bem ou mal insinua
Só o povo desanda
Não há sol ou lua
Pelas ruas de Ruanda.
Arma de fogo,
Faca ou facão
Baioneta faz o jogo,
Atração e solução.
Vive a morte na varanda,
E o poder de mão em mão.
Na rua de Ruanda,
A vida só vive a contramão...
(Do livro:"Mãos"/2004)

A ILUSÃO EM QUATRO DIMENSÕES

Lago
Lama
Algo
Ama.
Lago
Fundo
Lodo
Afundo.
Lago
Largo
Ama
Amargo.
Assumo
Fundo
Afundo
Sumo...
(Do livro:"Mãos"/2004)

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

ALAVANCA

A dor
não estanca.
Tem na canção
A força da alavanca.
E por mais que o desatino
Espanca
Se debela e atropela
O que banca.
A lágrima
Surta correnteza
Na estranheza
Do que tranca
Vira certeza
Raíz
Que não arranca.
A dor
Não estanca
Gera liberdade
E não retranca
Vontade
Mesmo manca
A seguir atino nas ancas
Do mundo, submundo
Que se estravanca...
(Do livro: "Greve: A voz do poema"/1987)

MUDEZ

Horizonte mudo
E vi tudo.
Na clareza do absurdo
De nunca ser mudo-surdo.
Há efusão
De tanto não.
Um silêncio sem opção.
Tristeza ou alegria em rito
Gestos de um grito
Lá longe
Mais que longe-perto.
Uma multidão
Na alusão de deserto.
Vi na dissenção
Mordaz dose
Nicho de solidão
E neurose.
Vi tudo
E o horizonte mudo...
( Do livro: "Poemas na contramão"/2006)

O DESJUNGIR

Se a água marejasse
Nos olhos dos remos
No sonho vagasse
Ferrolhos que temos...
Nem pensei acabasse
Sob inviés nos pés
Debruço virasse
Lavando a alma
Molhasse a calma
De silêncio e trauma
Envoltas marés.
A dor do tempo.
Utopia,
Reduz-se a pó.
Desvela-se lume
Desvanecendo só.
A mordaça do gume
Lugente ciume
A desdizer-se a dó.
Se a água marejasse
Dita ou desdita
Não evita no impasse
Desdar-se do nó.
( Do livro: " Poemas na contramão"/2006)

ALMA DE FORA

Corpo dança
A esperança o alcança
E aflora.
Se o mundo
O trauma
Por dentro se acalma
Toda hora.
Se nem se espanta
O tempo se balança
Na alegria que mora.
E pelo lado de fora
Canta-me a alma.
Corpo dança
Alma canta.
A vida
Na garganta
Olvida
E bate palma
Na alegria que mora.
E pelo lado de fora
Canta-me a alma...
(Do livro:" Poemas na contramão"/2006)

BRASAS

Brasas acesas
Queimam-me o sono.
E na mesa
Se derramam
Incertezas
Dando calor
Feito o dono
Do amor.
E lá fora
Só a escuridão
Aqui dentro
A solidão
A queimar-nos de frio.
Só o estalar
De brasa
No silencio a falar
E nos abrasa
Sombrio.
Lá fora
Tanto calor
Aqui dentro
Agora frio.
Livre o vento
Nas asas
Sem o desamar
Ao cós.
E só as brasas
Apagando-se
Em nós.
( Do livro: "Poemas na contramão"/2006)

sábado, 8 de setembro de 2007

CANTO DE OLHO

O poema, caminho.
A esperança, pânico.
Os passos, espinho
Abraço titânico.
Testemunha palavra
Acender lavra.
O poema trafega
Rasga em lavra, escorrega
Em nós engasga.
Esperança de vida
Argila na rijeza rebatida.
O poema esquálido
Não se entrega, nem o nega
Mesmo que o tenha
inválido...
(Do livro: "De palavra em palavra"/1987)

IMUNDÍCIE

O mundo rola
Mescla ilusão.
Abre janela
Rasga o chão.
Sem espera, arrola
Rega favelas
Coíbe flores
Fermenta omissão.
E o mundo esfola
No azedume
Escola prolifera
Indica contramão.
Mundo de todo mundo
E nem todos têm segundo
Se não de exaustão.
E a todos estirpa esperança
Mundão sem cancela
Onde tutela nem pouco alcança.
E finge auto-escola
Nos amola, depois nos atropela
E no descrédito nos lança.
Mundo,imundo,mundo
No desamor cada vez profundo.
Mundo,mundo sem dono
A lançar criança nos abandono.
( Do livro: " de palavra em palavra"/1987)

ABORTIVA

Grave
A urgência dos gestos
A se estilhaçar no silêncio
Se não criar corpo agora.
Grave
Se apenas gesto de palavra
Conduzindo ao aborto
Da aurora.
Como canção
Que não engravida
De hora em hora.
E sem lampejo
Se faz sobejo
E nem dá tempo
Para amar.
Grave
E mais grave ainda
Sem a opção
A morte do sonho
Por inanição...
(Do livro:"De palavra em palavra"/1987)

PALAVRAS TRANSEUNTES

Gasto
O gesto
Do rasto
Que indigesto
E engasto.
Detesto
Debasto
Me gasto
Me resto
Me arrasto.
Gasto
O gesto,
Arrasto
O resto,
Debasto
Detesto,
Indigesto
E me engasto...
(Do livro:" De palavra em palavra"/1987)

ASAS

Em qualquer porto, parto.
Em qualquer mar, morto.
Em qualquer quarto,
Me reparto
Ligado ou absorto.
Em qualquer caminho
Alinho ou torto.
Em qualquer canto,
Desencanto, incerto.
E por mais distante ou longe perto.
Em qualquer caminho, desalinho
Vivo ou morto.
Em qualquer deserto, extinto
Parto, perto, pinto....
(Do livro: "Cantos dos quatro cantos"/1992)

IDEOLOGIA

O cão
Em cada poste
Em cada esquina
Faz sua liberdade
Mais real
Mais consciente
Mais atrevida
Que a liberdade virtual
Burguesa
Vertida na verdade ficcional
E estranheza.
Autorizada, permitida
Asfixiada, invertida
Representada, fingida
Negada, desmerecida
Adiada, consumida...
(Do livro: " De palavra em palavra"/1987)

sexta-feira, 7 de setembro de 2007

CIDADE

A cidade
É uma úlcera aberta.
E, em nós mesmos, deserta.
À êsmo, inventa porta e janela
E na maior indecência
Fia dependência urbana e mundana
Criando no seus porões
Vielas e favelas.
A cidade
Uma imundície incurável
Flagelando sonho se alastra
E se deplora castra.
Se comunica,se explica,
Se justifica e se torna inviável.
Uma imensa ferida
Onde se cria faminto em degredo
E a vida mal ouvida
Nos seus subterrâneos e segredo.
A cidade
Planta portos e aeroportos
Enterra os vivos e cultua os mortos.
Um alucinógeno
Em que as luzes criam suas ilusões
E confundem paixões.
E,com suas fechaduras
A violência perpassa
Cessa a vontade, estrupa e aliena
À revelia de quem vê, sente e passa.
Se finge de inocente, fabricando demente
E trapassa.
Feito um bonde conduzido e conduzindo
Sem saber para onde.
A cidade
Separa as pessoas com seus arranha-céus
Individualiza a náusea aflitiva
Abominando a luta coletiva.
Inventa viadutos, tergiversa indultos
Tecendo insiltos aos urbanóides.
A cidade
Corre e pare desgosto
E no rosto desumano
Nem desiste esconder o aborto cotidiano.
A cidade
É um dilema...
Afixiado, acossado me insiro nessa gema
Com meus gemidos e poemas.
( Do livro:"De palavra em palavra"/1987)

TEIMOSIA

O sonho
Não pode acabar
Se voce não acordou
Se voce nem viver.
A noite tenta despedaçar
Os raios do olhar
Que de ninguém pode deter.
Viver o sonho é buscar
Os pedaços desse sol
Para o dia amanhecer.
Não importa o tempo que virá
Se no caminho me encontrar
A insistir
No espernear
à luta que viver...
( Do livro: "De palavra em palavra"/1987)

MIRANTE DA NOITE

Mija na noite a lua
Enquanto na rua estrelas despem
A madrugada num coito astral.
Olhos felinos inda famintos
À desatinos
Mastubam-se na canção de ninar.
Na fiesta da noite
Olhos de berro imaturo
Atordoam-se no afoite
No obscuro da alma
E o pavor de escuro
Estanca no muro a calma.
Discute-se "sexo é sexo, amor é amor"
Enquanto se decreta amar sem verbo.
As luzes não se acendem
Não miramos o fatal.
"AIDS" toma conta dos corpos
Que se divertem com o "normal".
A lua indiscreta
Ejacula concreta
Arebol.
Dos olhos do povo
Abortam o sol.
(Do livro: "Marginália viva"/1985)

PILÃO

Pilão
Que soco
Bate
Mói
Dói
E não posso negar.
Pilão
Que queima
Teima
Calefica
E fica sem se esquivar.
Pilão
Que murro
Esmurro
Esconjuro
E juro que há de cobrar.
Pilão
Sem brilho
Sem filho
Sem trilho
Que há de me levar.
Pilão
Dolente
Insistente
Inaderente
Batente que não posso faltar.
Pilão
Que engasga
Rasga abrolhos
Nos olhos para arregalar.
Pilão
Que toco
Foco
Soco
Sufoco abciso penar.
Pilão...Pilão
As tuas puas
Têm que ir às ruas
Sem se arredar.
Pilão
Que tasca
Lasca
Em vasca para arrebentar.
( Do livro: " Marginália viva"/1985)