sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Sangria de palavras

Nas esquinas as feridas
E as vidas acuadas e desatinas.
E suas histórias se somam
Se aglutinam na bruta agonia
Do dia-a-dia que desafia
Como tantas rosas
Que se destinam.
Pelas rachaduras do mundo
Universaliza essa sangria
Nessa dor, verso oriundo
Sem palavra
Escondida dos olhos
Em cada lavra
De quintal ou beco.
Inventam auxilio
Levam ao exílio
Desse sonho seco.
( Do livro:"Poemas na contramão"/2006)

VESPERAL

Esse ano comecei sangrando
Pesadelo de um ano novo
Desmantelo do povo
No desando.
Sob medo cotidiano
Medo real, medo urbano
Medo rural, medo mano
Medo marginal, engano.
Fere a flor
Entre carne desandou
Ceceado, censurado
Nos braços, nas mãos
Do andor.
Itinerário no calendário
Esse sopro, perdão, estuário
Feriado, amontoado no chão
No suor, nas lágrimas
Por certo sangrarão...
( Do livro:" Poema na contramão"/2006)

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

CAMARÁ

(Uma cidade destruida pelas águas de uma barragem feito pelo governo da Paraiba)

O remo não rema no rio
Só a lágrima no desvario.
O rio no meio fio
Leva os sem sono.
A lágrima sem desafio
Nas águas do abandono.
O remo não rema no rio
Perdido me acho
A morte, a vida a fio
Lágrima vira riacho.
Pelos mortos o frio geme
Justiça, impunidade não teme.
O remo não rema no rio
O medo no desvario...
(Chicoberg,do livro:" O cio da flor"/2004)

AVERSÃO

Pra que ter medo
Se o desejo
Não foge?
Pra que o degredo
Se segredo de amor
Não se guarda
Em alfoje?
A lua nunca foge
Do sol
Nem quando
Os trovões em grito.
Lá nas nuvens
No frio do lençol
Encontra-se no calor
Do infinito....
Pra que ser
Estrela decaída
Se na ilusão da corrida
Só o chão é despedida?
Pra que segredo
Se o medo é a chave
De degredo?
(Chicoberg do livro:"Diálogo do vento"/2003)

ENCRUZILHADA

Canto de amor a todo custo
Pelas vielas do mundo
Submundo e susto
Represado, fudido
Trancado e sem janelas
Esparrelas no ido
Pranto que contive.
Canto de amor
Tranco de encruzilhada
De quem vive
Como cerca em riacho
Onde a miséria e seu grito
Rasgando infinito
Desce de goela abaixo
E só o medo convive...
(Chicoberg, do livro:" Mãos"/2004)

terça-feira, 1 de janeiro de 2008

Degredo

O silêncio é uma casa.
Um desejo sem vôo
Amontoado de enjôo
Sendo tijolo e asa...
Argila sem mão
Mudez sem parede
Visão sem expressão
Água sem sede...
O silêncio no chão
Nina-me na rede.
Vôo na canção
Entre quatro paredes.
No apartamento
A voz entre salas
Balança-se no vento
Sem o canto das falas...
( Chicoberg do livro:"Poema na contramão"/2006)

Pedra sabão

Rompe o silêncio
Sem abraço.
Explode o aço
Da viva voz
E sangra poesia
Entre nós.
Retoco o semblante
Do tempo...
Inquieto contratempo
Algoz.
Enquanto no amor morro
Verso faço
E me esforço no espaço
Antes corro
No esporro da ilusão.
Uivo nos mares
Canto nos ares
No beco das pedras
Angulares
Acendendo multidão.
Apago escuridão
Com pedra sabão...
( Chicoberg do livro:"Poema na contramão"/2006)

Arcabouço

Lá, do lado de lá
Lá, do lado de lá...
Tem um cercado, uma cerca
Coibindo passar.
Tem um futuro sem agrura
Carne em flor que fura
E um muro proibindo sonhar.
Lá, do lado de lá
Lá, do lado de lá...
Há olho grande inseguro
Promessa de amor puro
E cárceres a tocaiar.
Lá, carne sem osso
Olhar de arcabouço
Desejo de calabouço
Colosso no fundo do poço
Silêncio, segredo sem revelar.
Lá, do lado de lá
Lá, do lado do lá...
E eu no lado de cá
Sem se iludir nem vacilar
Na espreita desse riso
A insurgir no olhar...
( Chicoberg, do livro:"Poema na contramão/2006)

Barbárie

Latifúndio desmata
A fome ou a doença
Mata.
A morte tem nome
Regida da mentira
Se consome na ira
E se some por trás da mata.
O latifúndio retrata
No degredo
O medo da morte
Maltrata e guarda segrdo
Revidando o amar
À revelia a agonia
Se reveste de mais valia
Pra roubar-nos o sonhar.
(Chicoberg do livro:"Poema na contramão/2006")